O ser humano alçou um novo nível como ser social ao priorizar suas interações no mundo online, o que gera uma ampla discussão sobre como as plataformas, redes sociais e o próprio Estado podem intervir na nossa esfera privada existente no mundo digital.
A maior referência sobre a regulamentação das redes sociais está na NetzDG (Lei de Responsabilidade pelo Conteúdo na Internet), uma lei alemã que foi introduzida em 2018 com o objetivo de combater a disseminação de conteúdo ilegal, como discurso de ódio e ameaças, nas plataformas online.
A NetzDG estabelece que as empresas de redes sociais (como o Facebook e o Twitter) são responsáveis por remover conteúdo ilegal de suas plataformas e denunciar tais conteúdos às autoridades.
No Brasil, o debate sobre a regulamentação das redes sociais está centrado no Projeto de Lei nº 2.630/2020, intitulado como Lei Brasileira de Liberdade, Responsabilidade e Transparência na Internet. Em que pese o nome dado ao projeto, este tem sido usualmente chamado de “PL da Fake News” em razão da sua criação estar centrada no estabelecimento de regras para a moderação do conteúdo em redes sociais.
Entre os principais pontos de discussão, destacam-se:
- a definição legal do conceito de redes sociais e quais empresas estariam sujeitas à incidência direta da lei;
- o reforço de aspectos principiológicos, como a liberdade de expressão e de imprensa, e o amplo acesso aos meios de comunicação e informação;
- a definição de um procedimento para a aplicação dos Termos de Uso, com a notificação prévia dos usuários e a garantia de recurso contra decisão de indisponibilização de conta e conteúdo e;
- a previsão da autorregulação regulada, onde a definição das regras de uso e procedimentos parte das próprias plataformas, que devem submetê-las à aprovação do Estado.
A proposta de regular as redes sociais para coibir abusos dos usuários e resguardar seus direitos perante as plataformas está acompanhada da ideia de que as leis “do mundo físico” devem ser aplicadas no “mundo digital”, o que já vem acompanhado de alterações legislativas anteriores voltadas para a adaptação legal em consonância com os avanços tecnológicos (entre elas: o Marco Civil da Internet, a Lei 12.737/12 e a Lei Geral de Proteção de Dados).
Porém, um ponto parece esquecido em todo o debate regulatório.
A punição e, principalmente, sua extensão são pouco debatidas uma vez que aqueles temas — criação de procedimentos de revisão das decisões de restrição e banimento das plataformas — nos aparecem como uma preocupação mais recorrente.
É cada vez mais comum situações em que as plataformas banem usuários por infringir os seus Termos de Uso, ou de decisões judiciais que determinam o banimento de perfis para a contenção de violação legais nas mais diversas esferas do direito. No entanto, essas decisões (próprias das empresas ou judiciais) não se manifestam sobre a dosimetria e a extensão da punição.
Com a regulamentação das redes sociais, devemos nos preocupar em deixar claro à sociedade sobre qual punição e duração estaremos sujeitos no caso de infrações.
É de se questionar, por exemplo, se uma violação legal ou contratual (termos de uso) que incorra em punição no bloqueio do perfil do usuário deve (ou não) impedir que este navegue na mesma plataforma para acompanhar as notícias dos seus amigos, familiares e demais assuntos do seu interesse. Da mesma forma, devemos questionar se a proibição do discurso de ódio (a qual obviamente concordamos), deve estar acompanhada da proibição de postagem familiares, como uma viagem ou um aniversário, visto que poderia caracterizar censura prévia.
Pessoas na vida real são pessoas na vida digital, e permitir o acesso (e veja, insisto na palavra acesso, e não publicação ou disseminação de ideias falsas e/ou preconceituosas) às redes sociais significa resguardar a sua condição como ser social.
Muito longe de esgotar o assunto, deve se pensar no combate ao uso inadequado das plataformas e redes sociais acompanhado da discussão sobre as consequências das punições aplicadas e até onde se justifica o impedimento de acesso ao conteúdo de terceiros ou publicação de outros assuntos (que não os proibidos) nas mesmas plataformas, além da extensão da penalidade, sob pena de se ignorar uma das principais formas de relacionamento social existente hoje e aplicar, no mundo online, uma pena que não existe na vida real — o banimento indeterminado ou perpétuo.
Por João Roberto Machado