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As inovações tecnológicas tendem a causar comoção no público, seja de forma positiva com as novas possibilidades em ascensão, ou mesmo de forma negativa, com os mais diversos receios que acompanham esse processo de novidade.

Considerando que o Direito, a partir das normas jurídicas, tem por finalidade organizar a vida em sociedade, é necessário que esteja também em constante inovação, proporcionando segurança à vida das pessoas.

Nesse cenário, apesar de a inteligência artificial ser utilizada há algum tempo e em diversos segmentos tecnológicos, um novo modelo de chatbot, lançado em novembro de 2022 pela OpenAI tem provocado amplo debate jurídico. Trata-se do ChatGPT, programa capaz de desenvolver conversas com um usuário humano em linguagem natural. A experiência com o ChatGPT chama a atenção devido à dinâmica realista e fluente dos conteúdos gerados, proporcionando uma interação genuína com os usuários.

Entre as mais diversas preocupações jurídicas postas pela utilização do ChatGPT, propomos hoje uma análise acerca dos direitos autorais de conteúdos gerados a partir da inteligência artificial. Para tanto, utilizaremos de exemplo um caso ocorrido nos Estados Unidos, no qual se deu a criação e produção de um livro para público infantil, a partir de textos desenvolvidos pelo ChatGPT juntamente com imagens obtidas no software chamado Midjourney.

Em breve síntese, a obra literária foi pensada por Ammar Reshi, que em entrevista ao site Insider contou ter tido a ideia de utilizar inteligência artificial para escrever um livro, o qual denominou “Alice and Sparkle” – narrativa sobre as aventuras de uma garota chamada Alice e seu percurso no aprendizado sobre o mundo da tecnologia[i].

Ainda, de acordo com o usuário, o processo de desenvolvimento levou cerca de três dias e gerou um único custo de aproximadamente R$150,00 (cento e cinquenta reais), referente à assinatura do software Midjourney. Ammar passou então a comercializar o livro em plataforma de vendas online, identificando o software ChatGPT e a si próprio como autores da obra, e como ilustrador o software MidJourney.

No que se refere ao caso elucidado, dentre as normas jurídicas nos Estados Unidos, não há delimitação legal para criações não humanas. Porém, numa situação semelhante, em que fora apresentado pedido de reconhecimento de direitos autorais para uma obra de arte gerada por inteligência artificial, intitulada “A Recent Entrance to Paradise”, o Escritório de Direitos Autorais (US Copyright Office) manifestou entendimento de que direito autoral só protege “os frutos de trabalho intelectual que se baseiam nos poderes criativos da mente humana”, recusando assim o registro.

A decisão proferida não é inédita para os cidadãos note americanos. Outros casos semelhantes já foram analisados e a conclusão sedimentada é de que o direito autoral se define como “o direito exclusivo de um homem à produção do seu gênio ou intelecto”. Imagina-se, portanto, que a obra literária comercializada por Ammar Rashi não é passível de registro autoral, segundo as normas e atual entendimento jurídico daquele país, sendo equivocada sua autodenominação como autor, assim como os créditos concedidos à inteligência artificial.

Sob a ótica do direito brasileiro, a Lei de Direitos Autorais protege as criações intelectuais, que por sua vez são definidas como toda invenção intelectual que é resultante de uma criação do espírito humano, revestindo-se de originalidade, inventividade e caráter único e constituída sobre um suporte material qualquer[ii]. Há aqui grande relevância do esforço empregado pelo autor/inventor, considerando também os aspectos pessoais do agente e traços de personalidade, sendo estes capazes de individualizar a obra.

É certo que o ChatGPT, assim como outros de mesmo seguimento, não possui capacidade de consciência ou vontade. Sabe-se ainda que os conteúdos por ele desenvolvidos, são gerados a partir de uma base de dados compilada com informações fornecidas até o ano de 2021. Desta maneira, o sistema não possui os requisitos de maior relevância para o reconhecimento autoral, quais sejam, esforço intelectual e originalidade. Sendo assim, não se verifica no ordenamento jurídico brasileiro a possibilidade de deferimento de direitos autorais sobre obras derivadas de inteligência artificial, ainda que intermediadas por uma pessoa humana.

Convém destacar que os entendimentos acima, acerca da necessidade de intelecto humano para se reconhecer uma invenção, não é unanime e tampouco estático. Como exemplo, pode-se citar uma recente decisão proferida pelo na África do Sul, onde sobreveio o reconhecimento de uma máquina de inteligência artificial (apelidada de “DABUS”) como parte “inventora”.

O mesmo ocorreu na Austrália, onde o Tribunal Federal também reconheceu o DABUS como inventor e embasou a decisão no fato de que a lei australiana exige apenas que haja um inventor, não estabelecendo que seja pessoa física ou jurídica, além de não haver qualquer norma que exclua do rol de direitos os inventores não humanos.

Em conclusão, verifica-se que para a legislação brasileira, a condição de autor/inventor não alcança inteligência artificial como parte revertida de direitos, nem mesmo os conteúdos obtidos a partir dela por um agente humano. Contudo, nada impede que este cenário se modifique de forma a expandir o conceito já existente.

A tecnologia nos impulsiona à constante transformação da sociedade e, consequentemente do ordenamento jurídico, sendo necessárias discussões para avaliar os impactos da inteligência artificial nos mais diversos campos do Direito.

Por Isabella Sabino

 

 

 

Referências:

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Presidência da República, Casa Civil, 1998. Disponível em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l9610.htm. Acesso em: 14 mar. 2023.

BRASIL. Lei nº 9.610, de 19 de fevereiro de 1998. Altera, atualiza e consolida a legislação sobre direitos autorais e dá outras providências. Brasília, DF: Presidência da República, Casa Civil, 1998.

IGN BRASIL. ChatGPT: Homem utiliza IA para escrever e publicar livro em menos de 72h; entenda. IGN Brasil, 2021. Disponível em: https://br.ign.com/tech-3/105618/news/chatgpt-homem-utiliza-ia-para-escrever-e-publicar-livro-em-menos-de-72h-entenda. Acesso em: 14 mar. 2023.

INSIDER. An AI rival to ChatGPT passed a university level law and economics exam, and did better than many humans, professor says. Business Insider, 2023. Disponível em: https://www.businessinsider.com/ai-financed-by-sam-bankman-fried-passed-law-economics-exam-2023-1. Acesso em: 14 mar. 2023.

SOUSA, A. ChatGPT, Inteligência Artificial e Propriedade Intelectual. LexLatin, 2021. Disponível em: https://br.lexlatin.com/opiniao/chatgpt-inteligencia-artificial-e-propriedade-intelectual. Acesso em: 14 mar. 2023.

UNITED STATES COPYRIGHT OFFICE. A Recent Entrance to Paradise. Disponível em: https://www.copyright.gov/rulings-filings/review-board/docs/a-recent-entrance-to-paradise.pdf. Acesso em: 14 mar. 2023.