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A utilização de medicamentos à base de cannabis é cada vez mais frequente, principalmente para espasmos, tremores, convulsões e enjoos, mas os pacientes encontram barreira legislativa e regulamentária na importação, cultivo ou produção destes produtos.

Atualmente a ANVISA autoriza a importação de medicamentos que tenham cannabis como composto principal, especialmente aqueles cujo foco está na concentração de CBD (composto tido como fármaco) e não no THC (composto tido como prejudicial às capacidades cognitivas).

Em que pese a possibilidade de importação e consumo do medicamento, o custo envolvido é elevado e torna os tratamentos prescritos muitas vezes inviável. Essa situação movimentou grande quantidade de ações judiciais que buscam, principalmente, um salvo conduto para o plantio da cannabis com a finalidade de extração do óleo necessário para a produção do medicamento.

Esse cenário apresenta três cenários principais:

  • Pedidos de salvo conduto realizados individualmente.
  • Pedidos de salvo conduto realizados por Associações.
  • Pedidos de autorização de plantio por empresas, para plantio, produção e comercialização.

De forma ampla, os pedidos individuais e também os formulados por Associações têm sido concedidos quando comprovada a necessidade e eficácia do tratamento com o óleo concentrado da cannabis e a tentativa frustrada de obtenção de autorização junto à ANVISA para plantio e cultivo, sempre voltado para o consumo próprio e com delimitação precisa da quantidade de plantas que cada pessoa e/ou associado pode cultivar.

Por outro lado, os pedidos formulados por empresas enfrentam uma restrição maior do poder judiciário, que enxerga a questão como matéria eminentemente política cuja obrigação envolve os Poderes Legislativo e Executivo.

O debate em torno do plantio, cultivo e produção com finalidades estritamente comerciais ganhou força com o Recurso Especial nº 2.024.250/PR, que será julgado pelo Superior Tribunal de Justiça como recurso representativo da controvérsia em sede de Incidente de Assunção de Competência.

Nesse caso específico, trata-se de empresa de biotecnologia solicitou autorização judicial para importar sementes de Hemp (cânhamo industrial) para posterior cultivo de plantas que produzam concentração de THC em percentual inferior a 0,3%, e posterior comercialização dos subprodutos para fins exclusivamente medicinais, farmacêuticos ou industriais. De acordo com o pedido, concentrações de THC em percentual inferior a 0,3% não são capazes de gerar dependência ou produzir a “maconha”, o que justificaria a autorização.

Em 1ª e 2ª instância o pedido foi negado sob o fundamento de que “a pretensão sob judice – que envolve a exploração econômica da substância em escala industrial (não artesanal) e a implementação de mecanismos de controle de produção e de destinação muito mais complexos – não se assemelha àqueles casos em que é permitida, pontualmente, a importação de medicamentos à base de CBD e THC e/ou o cultivo da planta, para fins de elaboração de um específico fármaco para pacientes nominalmente identificados. E, mesmo nesses casos, a atuação judicial deve se pautar pelo princípio da intervenção subsidiária e excepcional (ou mínima) sobre as atividades econômicas sujeitas à regulamentação estatal.”

Parte dessa negativa tem como fundamento a omissão das autoridades competentes em regulamentar a matéria, cuja faculdade está prevista no parágrafo único do art. 2º da Lei nº 11.343/2006, o que não poderia ser suprido pelo Poder Judiciário.

As empresas argumentam uma incoerência na regulamentação da matéria, vez que é permitida a venda de produtos importados que contenham CDB, mas não há autorização para produção e fabricação de medicamentos similares no Brasil, prejudicando a indústria nacional.

Por se tratar de matéria delicada, a solução que será apresentada pelo Superior Tribunal de Justiça enfrentará discussões políticas que deverão aferir até onde a omissão estatal sobre o assunto implica em uma afronta à Lei de Liberdade Econômica, pensando também nas providências administrativas que serão necessárias em caso de eventual autorização, como a fiscalização das autoridades competentes e os aspectos sanitários envolvidos na produção.

É recorrente no Brasil que o Poder Judiciário seja incitado a permitir o desenvolvimento de novos modelos de negócio que não foram objeto de debate no Congresso Nacional, vez que as leis acabam por não acompanhar as novas formas de relação na sociedade, mas também não podemos esquecer que o sistema político vigente exige um debate no parlamento como forma de legitimar e legalizar os assuntos controversos perante toda a sociedade e, principalmente, perante aqueles que são contra.