Atualmente o transporte terrestre regular de passageiros é regulamentado pela Resolução/ANTT nº 4770, publicada em 2015. Porém, ao longo desses 7 anos, o cenário legal foi significativamente modificado com alterações na Resolução e, inclusive a interferência do TCU, sendo esta a mais relevante até o momento.
Em razão disso, a ANTT promoveu a apresentação ao público de nova proposta de regulamentação para revisar o marco regulatório do TRIP, na medida em que boa parte das resoluções que regem o setor foram elaboradas quando ainda vigia o regime de permissão como instrumento de delegação da prestação do serviço de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros.[1]
A nova proposta de regulamentação da ANTT está em fase de consolidação e, por isso, importante verificar alguns pontos relevantes que provavelmente serão mantidos ou que mudarão significativamente o transporte terrestre regular interestadual de passageiros como conhecemos hoje.
Assim, diante de tantas mudanças propostas pela Agência, selecionamos 12 pontos que merecem especial atenção.
- PENDÊNCIA NA HABILITAÇÃO. TOLERÂNCIA ZERO.
A habilitação poderá ser requerida pela transportadora a qualquer tempo e será analisada no prazo de 15 dias úteis, porém, havendo qualquer pendência na documentação, o requerimento será indeferido. (art. 7º, §3º), não há espaço para correção de pendências.
Não há vedação de quantidade de solicitações, então, caso o primeiro pedido de habilitação da transportador seja indeferido, terá que refazer o pedido com as pendências ajustadas.
- CONSÓRCIO NÃO PODERÁ SER HABILITADO.
É vedada a habilitação de consórcio de empresas no requerimento de autorização para prestação de serviço regular de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros. (Art. 3º, §2º)
- CONSUMIDOR.GOV É OBRIGATÓRIO PARA AUTORIZAÇÃO.
Para habilitação das empresas, um dos requisitos inovadores trazidos pela nova minuta é a obrigatoriedade de adesão (ou sua promessa) à plataforma Consumidor.gov.br antes do início das operações. (Art. 4º, VIII)
- VEÍCULOS DE 15 ANOS.
Serão admitidos na prestação dos serviços veículos com até 15 (quinze) anos de fabricação, desde que atendam as características técnicas e a obrigatoriedade de itens e equipamentos fixados pelo CONTRAN e pelo INMETRO. (art. 64 e 65)
Importante frisar que a ANTT esmiuçou o trecho que trata sobre manutenção desses veículos, impondo a obrigatoriedade de Plano de Manutenção, que poderá ser exigido pela Agência a qualquer momento sob pena de suspensão total ou parcial das operações em caso de inobservância da obrigação. (art. 66)
- LINHAS E AUTORIZAÇÃO. AUTORIZAÇÃO ENTRE MUNICÍPIOS E LIBERDADE CRIATIVA.
Foi abandonado o conceito de mercado, agora se utilizará o antigo conceito de linhas, compostas por seções. Porém as linhas serão vinculadas a um Termo de Autorização (Art. 2º, XXXVI), que agora ganha um novo conceito. A Autorização se dará entre dois municípios e as empresas poderão ter quantas Autorizações lhe forem deferidas, desde que sejam pares distintos de municípios.
A Autorização da ANTT terá por objeto a prestação de serviços regulares de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros, sem caráter de exclusividade, entre dois municípios, situados em diferentes Unidades da Federação (UF), onde serão iniciadas e finalizadas todas as operações de transporte a serem executadas pela autorizatária. (Art. 9º, caput)
Cada Termo de Autorização indicará um único par de municípios, que corresponderá aos pontos de origem e destino de todas as linhas vinculadas ao respectivo instrumento de delegação. (Art. 9º, parágrafo único)
As novas Linhas poderão ser implantadas, mediante solicitação prévia à ANTT, desde que os seus pontos de origem e destino coincidam com o par de municípios objeto do Termo de Autorização. (Art. 88)
Já as novas seções, poderão ser implantadas em linha já existentes mediante solicitação prévia à ANTT, desde que os pontos de embarque e de desembarque da seção a ser acrescida à linha se encontrem a uma distância de até 10 (dez) quilômetros do itinerário da linha (art. 94)
Importante lembrar que o deferimento para termo de autorização e implantações de linhas e seções estará condicionado à não caracterização de inviabilidades técnica, operacional ou econômica.
- INVIABILIDADE E INTERVENÇÃO.
Permanecem alguns conceitos de inviabilidade que condicionam a manutenção ou habilitação da autorização às transportadoras, dentre delas, destaca-se a Inviabilidade Operacional, que se define como requisito de disponibilidade de espaços públicos ou de instalações necessárias à operação dos serviços objeto do pleito de autorização (Art. 2º, XXXII, XXXIII e XXXIV) e não abarca diretamente a questão da concorrência ruinosa.
Porém, a ocorrência de inviabilidade operacional de um terminal poderá ser apresentada por qualquer transportadora, mediante comprovação da incapacidade do terminal para atendimento de novos serviços e atestado de inexistência de instalação disponível emitido pelo Poder Público local.
Com isso, a ANTT avaliará a estrutura concorrencial das transportadoras daquela localidade e poderá intervir diretamente na programação dos serviços de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros executados, por meio da redução da regularidade de viagens autorizadas às transportadoras que já operam no município, dentre outras medidas legalmente cabíveis. (Arts. 32 a 36)
- TRANSFERÊNCIA DE AUTORIZAÇÃO OU LINHA PERMANECERÁ VEDADA.
A autorização para a prestação do serviço regular de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros será delegada em caráter pessoal, sendo vedada sua cessão ou transferência. Pedidos de transferência protocolados depois da vigência da nova resolução serão arquivados. (Art. 12)
- OPERAÇÃO SIMULTÂNEA vs OPERAÇÃO CONJUNTA.
A definição de Operação Simultânea será utilizada para execução simultânea de duas linhas regulares e já a Operação Conjunta será utilizada para definir execução simultânea de serviços interestaduais com intermunicipais. (Art. 2º, XLII e XLIII)
- FREQUÊNCIA MÍNIMA E CONDIÇÕES ESPECÍFICAS.
A regularidade (frequência) mínima se mantém em 1 (uma) viagem semanal por sentido, porém, admite regularidade mínima de 1 (uma) viagem mensal por sentido em condições específicas. (Art. 2º, LIV)
Essas condições específicas são melhor desenhadas no art. 29, que trata do atendimento a municípios não integrados à rede de atendimento dos serviços de TRIIP, onde há, por exemplo, a possibilidade de utilização de Micro-Ônibus categoria M3 (Art. 30, I)
- REGULARIDADE JURÍDICA.
Sobre regularidade jurídica para habilitação da empresa, a maioria dos itens se manteve e outros sofreram significativas alterações, sobre isso, importante identificar as seguintes:
a – Certidões que comprovem não terem sido condenados os administradores da empresa (em trânsito em julgado ou proferida por órgão colegiado) pela prática de crime de peculato, concussão, prevaricação, contrabando e descaminho; (Art. 4º, II)
b – Declaração de ausência de sócio com participação mínima de 20% do capital volante, que tenha participado de sociedade empresária que sofreu cassação nos últimos 1 ou 5 anos (a depender do caso). (art. 4º, V e art. 15, III e IV)
c – Declaração de a empresa não ser fruto de transformação, incorporação, cisão ou fusão de sociedade empresária que tenha sofrido penalidade de cassação pela ANTT, nos últimos 1 ou 5 anos (a depender do caso). (art. 4º, VI e art. 15, III e IV)
d – Declaração de compromisso de adesão à plataforma Consumidor.gov (item 7), caso ainda não tenha aderido.
e – Para transportadoras em recuperação judicial, Certidão emitida pelo juízo competente que certifique que a empresa está apta econômica e financeiramente a prestar o serviço regular de transporte rodoviário coletivo interestadual de passageiros sob regime de autorização (Art. 4ª, §2º)
- SUPERVISÃO DOS SERVIÇOS.
Para supervisão dos serviços, a ANTT criou o Índice de Qualidade de Transporte da Autorizatária – IQT, que é calculado por meio da média dos indicadores de 1 a 4, criados a partir do resultado de fórmulas elaboradas pela ANTT aos seguintes requisitos:
- cumprimento de viagens; (art. 186)
- transmissão de bilhetes; (art. 187)
- pontualidade; (art. 188)
- generalidade; e (art. 189)
- segurança operacional. (art. 190)
O resultado de cada indicador será expresso em níveis, classificados como 1 (ótimo), 2 (bom), 3 (regular) e 4 (ruim).
O Índice de Qualidade de Transporte da Autorizatária (IQT) será calculado por meio da média aritmética dos resultados dos Índices de Cumprimento de Viagens, de Transmissão de bilhetes, de Pontualidade, de Generalidade e de Segurança Operacional. O resultado do indicador enquadrará a autorizatária como:
- classe A: para IQT inferior a 2 (dois);
- classe B: para IQT igual ou superior a 2 (dois) e inferior a 3 (três);
- classe C: para IQT igual ou superior a 3 (dois) e inferior a 4 (quatro); e
- classe D: para IQT igual a 4 (quatro).
Durante o ciclo de avaliação, a ANTT poderá propor à autorizatária a elaboração de um Termo de Ajuste de Conduta (TAC) para o Termo de Autorização, quando for identificado:
- resultado nível 4 em qualquer um dos indicadores em 3 (três) meses consecutivos ou alternados dentro do ciclo de avaliação; ou
- resultado nível 3 em mais de dois indicadores em 3 (três) meses consecutivos ou alternados dentro do ciclo de avaliação.
Além disso, não serão admitidos requerimentos de Termo de Autorização as transportadoras que apresentarem índice C ou D no último ciclo de avaliação.
O único beneficio criado para estimular a manutenção dos níveis A e B, além do benefício de ser uma boa transportadora, é reduzir o período mínimo obrigatório de 12 para até 3 meses de operação para um Termo de Autorização, em todas linhas vinculadas ao objeto da autorização. (Art. 28, §1º)
Isso porque, o período mínimo de atendimento a que se refere o art. 28, inciso VII poderá ser reduzido em função da avaliação da autorizatária, obtida no último ciclo de avaliação, no Índice de Qualidade de Transporte, definido na Seção IV do Capítulo VI, nas seguintes condições:
- 3 (três) meses, para autorizatárias com classificação “A”; ou
- 6 (seis) meses, para autorizatárias com classificação “B”.
- PERÍODO DE ADEQUAÇÃO PARA A NOVA RESOLUÇÃO. 240 A 360 DIAS.
As empresas que possuam TAR e LOP, deverão se adequar à nova resolução em até 240 dias a partir da vigência, e durante esse período de adequação não serão analisados requerimentos de implantação de linhas e seções, por isso, é muito importante estar com toda sua operação alinhada antes da entrada desta nova resolução. (Art. 208)
Este prazo de 240 dias poderá ser estendido por até 120 dias, mediante manifestação fundamentada da ANTT (Art. 208, §3º) e durante esta adequação, permanecerão válidos os TAR’s e LOP’s das transportadoras vigentes há época da Resolução 4770/2015.
CONCLUSÃO:
A nova minuta de resolução traz propostas de adequação minuciosas que devem ser consideradas de pronto pelas transportadoras, para que sejam eficientes e consigam tão logo se habilitar junto a ANTT. Pois, apesar do longo prazo para adequação, existem outros importantes fatores em jogo, como a necessidade de a empresa já estar operando suas linhas da melhor forma possível, em razão da suspensão do prazo de análise de pedidos de implantação de linhas e seções que se dará nesse período.
Evidente que existem inúmeros outros pontos relevantes a serem trazidos, afinal, a Resolução 4770/2015 contém 82 arts. e já a nova minuta contém 249 arts., portanto é três vezes maior e mais completa que a atual. Logo, para a prosperidade das transportadoras, é primordial o conhecimento destes 12 pontos elencados acima e estar bem representado.
Por Marcelo Brasiel (OAB/DF 46.009)
Texto também publicado no Diário dos Transportes
[1] NOTA TÉCNICA SEI Nº 2887/2022/COARP/GEEST/SUPAS/DIR (pág. 1, item 2.3). Disponível em https://participantt.antt.gov.br/Site/AudienciaPublica/VisualizarAvisoAudienciaPublica.aspx?CodigoAudiencia=502