Na habilitação de novas empresas ou para o simples recadastramento do TAR – Termo de Autorização de Serviços Regulares, a ANTT exige algumas Certidões Negativas de Débitos, sob pretexto de comprovação de regularidade fiscal e trabalhista das transportadoras, através da Resolução/ANTT nº 4770/2015, arts. 11 e 12.
Porém, exigir essas certidões negativas para recadastramento e emissão do TAR é ilegal, de acordo com o que foi julgado pelos principais tribunais.
Vale ressaltar que, hoje a maior dificuldade para se recadastrar o TAR é conseguir a emissão das tais Certidões Negativas de Débito junto à ANTT.
Normalmente, a empresa enxerga apenas duas saídas para não perder sua autorização: (i) pagar todo o saldo de multas junto à ANTT ou (ii) pedir parcelamento dos débitos[1], para emissão da Certidão Positiva com Efeito de Negativa, se obrigando ao pagamento total da dívida em salgadas prestações.
Ao fazer tal compromisso de pagamento ou parcelamento, a empresa pode sofrer diversos danos colaterais, dentre eles, destaco os seguintes:
- Perda significativa de fluxo de caixa;
- Parcelamento de mais débitos do que o necessário[2];
- Renúncia ao direito de recorrer administrativamente e judicialmente das multas;
- Desistência de ações judiciais e recursos administrativos em andamento;
- Confissão irretratável e irrevogável de todo o débito parcelado, que, em caso de inadimplência, podem ser inscritos no CADIN e na Dívida Ativa, sem notificação.
Contudo, por essas e outras razões, várias transportadoras recorrem ao judiciário para se desobrigarem de apresentar as Certidões Negativas de Débito para o recadastramento ou cadastramento do TAR.
Nos casos judiciais, comumente são aplicados em analogia os entendimentos das súmulas nº 70 e 547, ambas do Supremo Tribunal Federal. Vejamos:
Súmula STF nº 70: É inadmissível a interdição de estabelecimento como meio coercitivo para cobrança de tributo.
Súmula STF nº 547: Não é lícito à autoridade proibir que o contribuinte em débito adquira estampilhas, despache mercadorias nas alfândegas e exerça suas atividades profissionais.
Isso porque, a ANTT exige a Certidão Negativa como condição para o exercício da atividade econômica desenvolvida pelas transportadoras. Por isso é medida ilegal e inconstitucional, que deve ser prontamente combatida.
A pretensão de condicionar a emissão ou recadastramento do Termo de Autorização à quitação de multas diante da existência de meios jurídicos próprios para cobrança e recebimento de tais dívidas, é descabida.
Nesse sentido é que a jurisprudência do Tribunal Regional Federal da 1ª Região – TRF1[3] e do Superior Tribunal Federal – STF[4] adotam o entendimento de que a exigência de demonstração de regularidade fiscal do contribuinte para a prestação de um serviço público pela administração extrapola os limites de seu poder regulamentar, consistindo em meio coercitivo indireto para pagamento de tributo, o que é incabível.
Ainda de acordo com o STF, a exigência de apresentação da comprovação de ausência de multa impeditiva junto à ANTT como condição para a obtenção do Termo de Autorização de Serviços Regulares (TAR) viola o princípio da proporcionalidade, uma vez que se trata de medida desnecessária e gravosa ao interessado.
Além disso, as exigências de necessidade de comprovação da regularidade fiscal através de certidão, bem como de regularidade trabalhista não decorrem de lei e, representam, por via indireta, a cobrança de dívidas por meio de sanções administrativas, o que é vedado conforme exposto acima nos enunciados das Súmulas nº 70 e 547 do Supremo Tribunal Federal.
A grande afronta ao que vem sendo julgado pelos tribunais é que, provavelmente, tais exigências sejam ratificadas através do art. 5º, I, II, IV, V, VI e VII, da nova minuta de resolução[5]. Veja:
Art. 5º Para a comprovação da regularidade econômica, serão exigidos: I- Certidão Negativa de Débitos ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa de débitos relativos aos créditos tributários federais e à Dívida Ativa da União, emitida, conjuntamente, pela Secretaria da Receita Federal do Brasil (RFB) e pela Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional (PGFN), relativa à sede da pessoa jurídica;
II- Certidão Negativa de Débitos ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa de Débitos com a Fazenda Estadual em que a pessoa jurídica for sediada, assim como nas Unidades da Federação nas quais a transportadora tiver Inscrição Estadual, inclusive quanto à dívida ativa; […] IV- Certidão Negativa de Débitos ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa de Débitos com a Fazenda Municipal em que a pessoa jurídica for sediada, inclusive quanto à dívida ativa; V- Certidão Negativa de Dívida Ativa ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa de débitos emitida pela Procuradoria Federal junto à ANTT, que comprove a inexistência de débitos inscritos na dívida ativa da ANTT;
[…]
VI- Certificado de regularidade do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS), relativa à sede da pessoa jurídica;
VII- Certidão Negativa ou Certidão Positiva com efeitos de Negativa, nos termos do Título VII-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), que comprove a inexistência de débitos inadimplidos perante a Justiça do Trabalho;
Assim, correto é o entendimento de que a ANTT não pode exigir das transportadoras as Certidões Negativas que comprovem inexistência de débitos fiscais ou trabalhistas para condicionar a emissão/recadastramento do Termo de Autorização e, caso persista tal exigência na nova resolução, esta poderá tão logo sofrer intervenções judiciais por estar em desconformidade com a lei e a constituição.
Por: Marcelo Brasiel (OAB/DF 46.009)
Texto também publicado no Diário dos Transportes.
Referências:
[1] Resolução nº 5.830, de 10 de outubro de 2018.
[2] Em razão do tempo real que leva para a aprovação do parcelamento de débitos e emissão da Certidão Negativa da ANTT, algumas “novas multas” que não estavam no parcelamento acabam sendo inscritas em dívida ativa durante esse trâmite, e quando a aprovação do parcelamento é concluída, a empresa tem que pagar as “novas multas” que entraram em dívida ativa para poder emitir a Certidão Negativa. O que acaba forçando a transportadora a incluir mais “multas” do que o necessário, para evitar uma grande dor de cabeça. Em outra oportunidade pretendo discorrer mais sobre o tema.
[3] (AMS 1003698-50.2019.4.01.3400, JUIZ FEDERAL ROBERTO CARLOS DE OLIVEIRA (CONV.), TRF1 – SEXTA TURMA, PJe 10/08/2021 PAG.) – (AMS n. 1018942-53.2018.4.01.3400 – Relatora Desembargadora Federal Daniele Maranhão Costa – e-DJF1 de 15.01.2020) – (AC n. 0001613-04.2016.4.01.3307 – Relator Desembargador Federal Daniel Paes Ribeiro – e-DJF1 de 21.10.2020)
[4]ARE 1382921,”PRESIDENTE”,”18/05/2022″,”17/05/2022″, “https://jurisprudencia.stf.jus.br/pages/search/despacho1305491/false”
[5]Site:<https://participantt.antt.gov.br/Site/AudienciaPublica/VisualizarAvisoAudienciaPublica.aspx?CodigoAudiencia=502>. Acesso em 26/08/2022.